quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ACEITO FIADO - Fabrício Carpinejar

O que podemos deixar aos filhos? O que fará um filho acreditar na vida mais do que a gente acreditava?

Não devemos prevenir as crianças com o nosso ceticismo. São frases que retiramos da primeira gaveta do medo: “Não insiste”, “Quebrará a cara”, “Não vale a pena”, “Não dará resultado”.

Pessimismo não é sinônimo de inteligência.

Há papo mais chato do que de ex-petista, ex-fumante, ex-seminarista, ex-carnívoro, ex-fanático por futebol, ex-marido, ex-mulher, ex-pecador? Além de arrependidos, mostram-se curados do passado. Insuportáveis com suas lições empíricas.

Articulam acrobacias com a língua para desfiar seu rosário de decepções. São imbuídos da missão sagrada de alertar aos colegas e amigos dos horrores de suas vivências. Evangelistas do apocalipse, pregam suas conversões com a capa preta do diário.

Amaldiçoam a divergência. Numa conversa, vão desconsiderar qualquer opinião diferente da sua com uma ameaça: "Você ainda vai entender!"

É o ciúme da fé. Temos que extrair a fé do próximo, para não sentirmos falta da nossa.

Sofrer não pode eliminar a esperança. Sofrimento sem esperança é masoquismo.

Se a trajetória não saiu conforme planejamos (e nunca sai), não significa que a nossa prole mereça seguir o nosso descrédito. Prefiro alguém que seja bem crédulo a outro que somente destrói as opiniões com seus testemunhos.

Ingenuidade é sabedoria. Precisamos preservar as ilusões. Sou favorável a mais ilusões, menos realidade.

Qual será o ânimo de um adolescente para retirar seu título eleitoral se os pais falam sempre que todos os políticos são corruptos?

A infância é cheia de miragens. Saudade do tempo em que não enxergava. Na cegueira, a imaginação - pelo menos - avançava.

O que posso transmitir aos meus filhos é uma história de amor. Assim mesmo, bem sentimental. De legado, nada é mais precioso do que uma história de amor. Que os casais tenham se amado mais do que vivido. Contem como os dois se encontraram: as coincidências, a atração, a resistência, as gafes, os alumbramentos. Não poupem detalhes. Sejam babacas, mas que permitam que seus filhos sejam românticos. Dêem a eles a mesma chance que vocês tiveram.

Minha filha nunca cansou de me perguntar: "Por que você se separou de minha mãe?"

Explicava ponto por ponto que a paixão acabou, que começamos a brigar por bobagens, que já não nos entendíamos, que foi melhor assim, senão ela teria que crescer sob um permanente temporal. Segui a receita psicológica de expor a verdade para os filhos. De não esconder nada.


Fui um idiota. A pergunta era outra, e me escapou.

Ela procurava saber: "Você amou minha mãe? Como foi a história de vocês?"

O que posso fazer pelos meus filhos é não estragar a fé deles. É minha herança.

http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/